Ai de vós, barulhentos de todos os quadrantes e
ruidosos de todos os tipos, que elevais acima da paciência, da educação e da
convivência os ruídos de vossos lazeres, prazeres, pregações, trabalhos,
máquinas, motores, veículos, que não respeitais a saúde nem as leis e
perturbais o sossego, a tranquilidade, o estudo, a meditação, a confidência, a
oração, a leitura, o amor e o sono, especialmente o sono.
Ai de vós, atores, diretores e autores de telenovelas,
que inquietais com os gritos raivosos de vossas famílias de papelão os momentos
em família das famílias de verdade, poluindo a paz do jantar e da conversa.
Ai de vós, buzinantes, que não respeitais nem ao menos
as áreas dos hospitais, onde doentes e seus queridos tentam encontrar
intervalos de descanso nas suas muitas horas de dor.
Ai de vós, chusma de motociclistas zoadores!
Ai de ti, animador de auditório dos domingos, que
elevas com decibéis descontrolados o nosso desconforto justamente no dia do
conforto.
Ai de vós, jovens frequentadores de botecos, que pelos
mesmos motivos perturbais não só o ambiente do bar, dificultando que se
alcancem os objetivos de estarem todos ali, quais sejam a comunicação
inteligente e a conquista amorosa, tanto a charmosa quanto a safadinha, mas
também os moradores dos 300 metros do entorno.
Ai de ti, narrador de jogos de futebol, que vendes
excitação, clubismo, bairrismo e patriotismo junto com patrocínios de consumo
e, para melhor satisfazer teus anunciantes, tens de berrar ao vento como se não
estivesses presente na nossa sala, ou como se fôssemos meio surdos, nós,
indefesos aficionados da bola.
Ai de vós, todos vós, que empunhais um microfone e
dele fazeis um instrumento de tortura, ora na porta de magazines de bairros
proclamando ofertas, ora em carros de propaganda anunciando pamonhas ou
candidatos — e não se sabe qual pamonha merece mais o nome —, ora em templos
para atrair dízimos, ora em bailes funk para aumentar a excitação.
Ai de ti, pastor, que chamas o Senhor aos berros pelos
alto-falantes, como se Ele fosse surdo, ou repetes doze vezes a mesma
jaculatória, como se Ele não estivesse nem aí para ti nem para tuas ovelhas, ou
fosse néscio.
Ai de vós, técnicos de sons e efeitos especiais dos
filmes espetaculosos modernos, que transformais em tortura auditiva as mais de
duas horas que ficamos no cinema, o que leva espectadores prevenidos a usar
protetores nos ouvidos para evitar danos futuros.
Ai de vós, organizadores dos pancadões da periferia,
que incrementais com potentes sons bregas o porta-malas dos vossos carros e
levais novos desassossegos a regiões da cidade onde já não se tem sossego.
Ai de
vós, amantes do foguetório, criaturas pretéritas.
E, por fim, ai de nós, os desamparados do Programa do
Silêncio Urbano, que clamamos todos os dias do ano pela redução geral do
barulho e que atravessamos o último dia 7 de maio sem esperanças de que se
fizesse silêncio pelo menos no dia dele.
Silêncio
Por Ivan Angelo
Fonte: Revista Veja - SP
Silêncio
Por Ivan Angelo
Fonte: Revista Veja - SP
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